Acolhimento
Na folha de papel constava os tópicos do programa que seria executado nas próximas semanas, eu estava fazendo algo que nunca imaginei que faria, participar do que se assemelhava muito a um grupo de apoio. Nunca achei que precisasse disso pois passei a vida me iludindo achando que se eu fosse forte, independente e obstinada o suficiente as pessoas nem perceberiam que eu era deficiente. Alguns acharão isso positivo se não forem capazes de imaginar o prejuízo que essa atitude me causou. Poderia até imaginar que seria um tipo de negacionismo benéfico, mas definitivamente não foi.
Achei que não precisava conhecer outras pessoas iguais a mim com estórias parecidas de vivência e apesar disso estava ali porque sentia no meu íntimo que algo estava errado e eu deveria descobrir o que era. O primeiro ítem se chamava "acolhimento". Essa palavra cujo significado real era totalmente desconhecido pra mim havia ganhado um lugar especial no meu vocabulário desde a primeira vez que adentrei a estrutura do prédio da unidade do Lago Norte da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação.
Ali, as palavras "respeito" e "carinho" também ganharam novos significados ou quiçá, o valor real que mereciam. Passei a entender o mal que eu fiz a mim mesma e em consequência o mal que eu permiti que outros me fizessem deixando que a negligência imputada por pessoas próximas me fizessem fechar os olhos para outras que sempre se mostraram solícitas mas que, por algum motivo eu me mantive afastada. Por sorte conquistei ao longo da vida uma quantidade formidável de excelentes amizades que me valeram nas horas de sufoco, a alguns deles tenho dívida de vida.
Ali, o sentimento de pertencimento foi tão avassalador que ao ser recebida para uma consulta estabeleci imediatamente um laço emocional com a fisioterapeuta que me atendeu (acho que isso até a assustou) e todas as subsequentes vezes que adentrei àquele recinto eu me emocionei. Jamais havia experimentado algo assim e após um período de confusão mental concluí que algo muito errado deveria ter acontecido durante toda minha vida.
Ali se apresentou um farrapo humano, uma pessoa confusa e frágil, descuidada com a própria existência, com o próprio corpo que tomou um choque de realidade quando recebeu atenção e carinho de pessoas que embora estivessem fazendo o seu trabalho, o fazem com amor e dedicação mostrando que uma sociedade que acolhe os seus "diferentes" com igualdade mas respeitando suas diferenças é possível.
Ali, uma equipe multidisciplinar de profissionais sempre sorridente e de braços abertos começaram o processo de reconstrução de um indivíduo e mostraram que milagres são possíveis tanto que eu mesma nunca me expunha emocionalmente mas em certo dia interceptei minha amiga Andréia no corredor e a abracei visivelmente emotiva dizendo a ela "meu coração se enche de alegria quando te vejo".
Era janeiro de 2017 e eu estava no saguão aguardando a chamada para o primeiro encontro do grupo. Olhei novamente para o programa impresso e li o tópico "acolhimento". Agora eu sabia o que isso queria dizer e estava pronta para recomeçar.
Débora Zimmer
Belo relato, Débora.
ResponderExcluirMuitas pessoas poderiam se beneficiar muito do que você está relatando aqui.
Valeu!
Obrigada Edi. Vamos ver se a mensagem chega a quem precisa.
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