João e o "pede" feijão - Um conto ternamente elétrico

Imagem sorrupiada na cara dura do site Gazeta do Povo

   Era uma manhã de sábado, continuação da noite de sexta e João Frajola andava com pés ligeiros para encontrar Celião, seu amigo de longa data no Lar dos Velhinhos, sua atual residência. Na pressa atropelava os passos, as ruas andam cheias de gangues e deslocamento furtivo seria uma escolha prudente. 
   No local predeterminado, duas quadras acima da sua, na altura da rua onde os cães se indignavam apontava na outra extremidade a caranga do Jeff Senna sempre em desabalada carreira tal qual um Airton. 
   "Entra aí, João!" - Disse Jeff. João não estava muito bem do estômago devido aos excessos da noite anterior, havia tomado chá um pouco além da conta. Prontamente Jeff se ofereceu para levá-lo a drogaria do Pastor Jorge onde poderiam comprar remédios. O balconista, já bem conhecido de nossos amigos após atendê-los fez propaganda de seus novos produtos fitoterápicos, a especialidade da casa. Como cortesia lhes ofereceu amostra grátis de uma novidade ainda desconhecida, os maravilhosos feijões mágicos capazes de promover um excepcional estado de bem estar. "Não tome de barriga vazia, pode ter efeitos colaterais." Advertiu o farmacêutico. Saíram dali felizes e rumaram para o encontro.

   Chegando na casa do Celião o encontraram desmaiado no sofá, resíduo dos embalos de sexta. Havia tocado na noite anterior e tinha pego o baú pro inferno, aquele que corta o Eixo na madrugada. Tendo descido na Av. H Prates quebrou o resto do trajeto a pé chutando ratos que saiam do esgoto.
   "Acorda aí, maluco!" Disse Jeff. 
   " E aí, velhinho?" Foi a resposta.
   Celião já de pé, mesmo antes do café da manhã puxou do coldre uma de suas anedotas infames seguida de uma inconfundível risada. Tudo para iniciar os trabalhos.
   Um par de horas depois chega a Limousine do Wendell com seus aparatos técnicos e musicais de T.I., T.A., I.A. e tantos outros. "E aê?" Diz olhando para Jeff. "Te procurei pra lascar ontem, maluco!". Como nos velhos tempos está formado o quarteto fantástico novamente só faltando o Surfista Prateado. "Quem vai bater o tambor?" pergunta. "Tá vindo um cara aí." Diz Celião. O cara veio, um baterista meio chinês... mas não ficou muito tempo. Foi embora depois de ter sido engolido pela massa sonora ensandecida de 3 guitarras sendo uma delas de 4 cordas. Daquele unusual exercício de criação espontânea saíam as composições enternecidas nos braços da imaginação... Deixa o sooom...vai nos levaaar...!
   Lá pelo meio da tarde enquanto Wendell esquartejava sua guitarra de 300 bucks com um riff magnânimo de "Tony Uai, omi?" chegou um cara diferente com um teclado debaixo do braço batendo na porta. 
   Toc, toc. 
  "Quem é?" Perguntou Wendell. "Me disseram que vocês precisam de tecladista, eu vim com meu órgão pra penetrar a sua banda!!" Disse o visitante inoportuno. "Teclado é coisa de fresco, de música pop. Aqui é rock'n'roll!!" Gritou Jeff de lá da cozinha. Não precisavam ter sido indelicados afinal o carinha só queria um pouco de chá. Arriscaram mais uns acordes pela tarde a dentro e percebendo a inútil tentativa de encadeamento das harmonias alguém sugeriu: "Porque não fazemos algo minimalista assim como uma versão stoniana?" 
   E assim salvaram o dia.
   Já era tarde quando se tomou conhecimento que os insumos haviam se exaurido, necessário era renovar o estoque. Alguém teria que sair para resolver a demanda, João se prontificou. Optaram por chá de cevada, Wendell retrucou "Esses chás engarrafados acabam muito rápido, sugiro comprar a erva, rende mais." 
   Dada a missão, João saiu para cumprí-la. Vagueou pelas proximidades em busca de fornecedores, a maior parte do comércio já havia fechado a esta hora. Lembrou-se que não havia comido quase nada, o estômago rugia como um leão. Pensou nos feijões mágicos que jaziam esquecidos no fundo do bolso, era bem provável que aplacasse momentaneamente a fome. "Vou comer só um pra ver o que acontece" pensou João. Sacou um dos feijões e mandou goela abaixo e tão logo ele bateu na lata vazia a sensação de saciedade teve início porém de tal forma que se parecia que houvesse germinado dentro da barriga. 
   Logo a coisa avolumou-se e já começava a comprimir os órgãos internos impondo a necessidade de esvaziar o reservatório de chá que jazia quase transbordando. Desesperado João encontrou uma moita de capim para onde apontou diretamente a sua pistola que esguichava água de joelho em todas as direções como uma mangueira descontrolada. Entretanto ao desabotoar as calças de forma estabanada feijões mágicos voaram do seu bolso e mesmo tentando segurá-los caíram no chão abaixo da vegetação que era agoada. Antes que mais alguma coisa se precipitasse por outros orifícios João desfaleceu-se e quedou-se inerte ao pé do muro à sua frente.
   Soube-se pouco sobre o tempo que ficou desacordado mas sentindo-se melhor abriu lentamente os olhos ao tempo em que sentiu cócegas nos tornozelos. Seu corpo jazia sobre um emaranhado de ramas de feijoeiro algumas penetrando por baixo das roupas enroscando seus braços e pernas. Aparentemente, à luz da lua os feijões mágicos haviam brotado e dada a qualidade da água que haviam sido regados cresceram magistralmente ocupando todo o cenário ao redor. 
   Apesar de preso João se sentia confortável naquela cama macia. Eis então que um espetáculo estranho e bizarro começou a se desenrolar na sua frente. Das ramas, favas começaram a brotar e crescer numa velocidade impressionante e tão logo alcançavam a proporção de uma pessoa adulta o revestimento externo envelhecia e secava como crisálidas. Não tardou a abrirem em um processo de maturação e o que se via dentro daquelas cascas deixou João absolutamente aterrorizado. 
   Os feijões dentro das favas tinham adquirido feições humanas, como uma linha de produção em massa de clones todos com a sua cara. Nessa hora até o clima mudou, tempo fechado. Os "feijoôes" rapidamente se libertavam de seus casulos para iniciarem uma marcha sabe-se lá para onde ou para quê. Naqueles olhos sem vida, olhos de hipnose nada se via, eram como autômatos esperando por algum comando. 
   Horrorizado frente aquela cena dantesca João deixou escapar um grunhido de pavor que por azar chegou ao ouvido de uma das criaturas. Ela se voltou para ele chamando a atenção de todas as outras e em um movimento sincronizado todas levantaram o braço direito e apontaram em sua direção abrindo suas bocas enormes ecoando um urro surdo, uma visão infernal que só pôde ser contemplada no filme "Invasores de Corpos". Pôde-se perceber que não estavam pra brincadeira. 
   Nesse momento uma voz se articulou em meio à multidão e uma palavra foi ouvida: 
   "Papai!!" 
   Em uníssono todas as criaturas começaram a chamar por seu progenitor. "Papai, papai, papai..." Reunindo todas as forças que lhe restava João desvencilhou-se das amarras e irrompeu em uma fuga tresloucada ao que lhe seguiram imediatamente seus persecutores. Mas foi em vão. Em pouco tempo após ser alcançado aquela multidão de "feijoôes" desabou-se sobre ele agarrando-o e sufocando-o. 
   Em seus últimos instantes de vida, seu derradeiro sopro, uma questão martelava a sua cabeça. Lembrou dos feijões que caíram de seu bolso enquanto urinava e pensou: "Não é possível, meu Deus!! Será que, de novo a vasectomia reverteu?" Um ruído ensurdecedor tomou conta da sua cabeça. -Clang, clang, clang, clang...

   Supitou e caiu de pé... se deu conta que estava em casa mesmo sem saber como e que tudo não passara de um pesadelo. Já era manhã de domingo e o barulho continuava lá fora. No grade do portão um pedinte batia com uma caneca. Disse ele: 
   "Bom dia, o senhor tem um pouco de feijão pra me dar?"
   "Tenho sim!" Disse João enfiando a mão no bolso da calça e tirando alguns feijões mágicos. Deu-lhes ao pedinte que retrucou decepcionado: 
   "Só isso?"
   "Pra mim foram o suficiente!!" Respondeu.

Débora Zimmer

Comentários

  1. Si plantar um pouco dessas sementes de feljao dar pra usar as folhas depois secar vida fumaça e com um pedaço de cogumelo um chá e de bolsas de lombras sem fim

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