Maria
Se não me engano, se chamava Jefferson, já não me lembro. Era o irmão de um amigo que visitamos por volta de 2002/2003 e ele estava fazendo campanha para arrecadar fundos para a paróquia que ele frequentava através da venda de objetos pessoais, incluíndo uma quantidade bastante razoável de discos de vinil. Não era bem o meu interesse na época mas resolvi dar uma olhada para ajudar caso alguma coisa me interessasse. Me chamou muito a atenção o fato de os discos serem da época do lançamento e estarem absurdamente bem conservados, o dono realmente tinha um capricho especial no cuidado com os seus pertences. Como eu sei disso? Havia uma assinatura e data de compra em cada um deles, a maioria dos anos 1970.
Entre os discos encontrei uma verdadeira pérola, o primeiro lançamento chamado "First of All" de um conjunto holandês chamado "Pussycat" que até então eu achava que era americano por causa do seu maior hit, a música "Mississipi" que abre o lado B. Como a canção é realmente muito bela e faz parte das minhas memórias afetivas comprei o disco já sabendo de antemão que haveriam outras surpresas já que Mississipi era a única que eu reconhecia pelo nome. Em casa, ao tocar o disco inteiro na velha vitrola pude constatar a qualidade da produção inteira e comecei a reconhecer outras canções como "Help me living on" e "Boulevard de la Madelaine" que já havia ouvido em outras ocasiões . E então chegou em Georgie.
Na primeira vocalização de Toni Willé com sua voz bela e única identifiquei uma memória antiga e adormecida de alguém que cantava essa canção quando eu era ainda criança... Maria. A associação foi imediata, o intervalo musical da primeira frase melódica era inconfundível.
Descobri a música que Maria cantava!!
Maria é a pessoa que eu me lembro, o espírito que eu invoco naqueles dias em que eu acordo achando que a vida não vale a pena e que era melhor acabar com tudo. Eu costumava dizer a ela que o seu nome rimava com alegria, e ela ria. Ria com a espontaneidade de uma criança que ela sempre foi e nunca deixou de ser até o seu último suspiro.
Maria povoava minha existência desde a infância, me carregou no colo, cuidou de mim quando minha mãe não podia, sempre esteve ali ao lado cantando e sorrindo e mascando um favo de cana com dificuldades por causa de seus poucos dentes. Maria não se preocupava com estética, muito menos com status, maria apenas vivia do jeito que podia e sempre com alegria. Eu mesma não conheci um dia em que Maria não fosse pura alegria.
Como Maria se foi ninguém sabe ao certo, acho que a própria vida com seus arroubos eventuais de mesquinharia se cansou de Maria e a abandonou porque não consigo encontrar uma explicação melhor, ela podia ter vivido pra sempre, era um grande presente para a humanidade. No sepultamento do seu corpo, que eu não fui porque prefiro a lembrança viva de alguém, pessoas choravam e lamentavam, coisa que eu nunca vi Maria fazer. Meu irmão, que foi ao enterro me disse que alguém pediu a palavra e falou que Maria teve uma boa vida e não deviam se lamentar pela sua partida, apesar de pessoa simples era um grande espírito.
O que eu sei é que Maria nos deixou a sua ausência mas a lembrança da sua alegria persiste nas notas dessa canção e quando a ouço, ouço também a sua voz cantando e sorrindo do outro lado da rua.
Débora Zimmer
Que lindo isso! Fiquei emocionado.
ResponderExcluir