Onde eles estão?
Há algum tempo eu havia desistido de escrever textões. Entretanto, recentemente meu amigo Gustavo Conde me convenceu de que por conta do momento há uma necessidade latente do exercício da dialética. Se continuarmos a insistir em um mundo de simbologismo gratuito (leia-se imperialismo de memes) corremos o risco de perder a capacidade de explorar em profundidade o mundo das ideias através da semântica e da etimologia. E bem mais do que sempre foi, é necessário dialogar porque a lacração não é suficiente para sustentar a imposição de sentido semiótico...(as vezes tenho a impressão que não aprendemos nada desde a explosão cambriana)
Na esteira deste raciocínio vem o conjunto de "perguntas que não querem calar". Tenho uma coleção delas. Mas, uma em especial me persegue desde que comecei minha vida artística. Para contextualizar, aqui vai, antes da pergunta um pequeno resumo.
Sou uma pessoa com deficiência desde os 7 meses de idade. Desde os 10 anos sou musicista. Comecei minha carreira artística com 12 tocando e cantando com meu irmão. Por volta dos 13 montei minha primeira banda e com 14 fiz minha primeira gravação em um estúdio profissional. De lá pra cá tenho me apresentado com diversos artistas por todo o DF e vários estados da federação. De uns tempos pra cá tenho me feito a seguinte pergunta:
Onde estão eles?...
Eles quem?...
Os outros igual a mim!...
???...
Sim. Outros artistas deficientes. Eles existem? Onde podem ser encontrados? Como vivem? (ouviu a voz do Sérgio Chappelin?) Pode parecer irrelevante essa questão mas o fato é que nesses 35 anos de estrada e em todos os lugares por onde andei me lembro de ter encontrado apenas 2 artistas deficientes (nesse caso me refiro a artistas profissionais que ganham a vida com música). Se olharmos para a constelação de estrelas que é o mundo da mídia comercial e corporativa fazemos uma constatação ainda mais curiosa: Quantos artistas deficientes já vimos ou mesmo ouvimos falar neste meio? Quantos já adentraram o palco de um grande festival ou um programa de televisão usando órteses, próteses ou cadeiras de rodas?
Cri...cri...cri...
Ouvi falar de uma banda chamada "Tigres de Bengala" com Ritchie, Cláudio Zolly, Dadi, Mu e Vinícius Cantuária mas era propaganda enganosa, não eram tigres e nem usavam bengalas... Herbert Viana, Marcelo Yuka e o Barrerito não contam, pois eles se tornaram cadeirantes depois da fama. Foram e são artistas que se tornaram deficientes e não deficientes que se tornaram artistas e todos se tornaram grandes exemplos de superação. Ainda assim a imagem deles é revestida de um significado especial, eu particularmente me sinto representada. Então eu sou a única ou a última de uma espécie em extinção, o Poliocanthropus Não-tão-Erectus? Antes fosse e graças ao Bill Gates quase seria.. (e de novo graças a ele seria mesmo já que ele é eugenista). Mas que bobagem, é claro que não.
Mas a pergunta ainda não quer calar. Onde estão eles?
Talvez estejam escondidos debaixo dos nossos narizes. Quer um exemplo? O cantor mais famoso que este país já produziu é deficiente físico... mas faz questão de esconder. (todos sabem o que acontece quando os repórteres insistem, não é mesmo?) E é claro também que isso é questão de foro íntimo, não estou aqui para criticar o rei. Aliás, ter se tornado o artista de tamanha envergadura que é (sem trocadilhos, por favor) mostra mais um grande exemplo de superação.
Mas uma coisa é certa, o show business dá sinais de não reservar lugares para pessoas com corpos fora do padrão. O tema inclusão parece não fazer parte deste universo e embora essa observação seja apenas uma especulação não há dados que provem o contrário. Então o que acontece? Se essas pessoas existem elas não alcançaram o mérito de terem se tornado artistas da grande mídia? Ou a grande mídia não os aceitou por não cumprirem os seus pré requisitos estéticos? Será que saberemos a resposta algum dia? Você deve estar se perguntando se eu estou escrevendo tudo isso para justificar a minha frustração em não pertencer a grande mídia... Definitivamente, não. Sou uma artista do mercado alternativo e nunca desejei pertencer a grande mídia porque não sou mercantilista. Desde cedo aprendi a diferença entre arte e entretenimento e apesar de ser uma profissional da música o foco do meu trabalho sempre esteve no lado artístico. Sou muito bem resolvida com isso e NÃO ESTOU FAZENDO MEA-CULPA. Além disso tenho outras atividades. Também sou proprietária de um estúdio de gravação e luthier bem como membra honorária do A.I.A.I - Arquivo de Informações Absolutamente Inúteis (Esse não dá dinheiro mesmo).
E aqui aproveito para retornar desta imensurável digressão voltando ao tema da conversa para fechar o assunto. Qual era o assunto mesmo?
Bom...fecharei assim: Músicos que são apenas profissionais do entretenimento podem não ser necessariamente artistas porque semanticamente falando, artista é quem faz arte! Lacrei?
SQN.
Débora Zimmer
Débora, como é bom ler o que vc escreve!
ResponderExcluirContinue sim, com textões e reflexões válidas e edificantes!
Débora, como é bom ler o que vc escreve!
ResponderExcluirContinue sim, com textões e reflexões válidas e edificantes!
Obrigada pelo comentário Thatiana. Vou continuar sim.
ExcluirEngraçado que dia destes escrevi no Forte Cultural um texto curto falando sobre a nossa propensão aos 140 caracteres e aos "memes".
ResponderExcluirQuase ninguém lê mais que a capacidade máxima do twitter, que agora é um pouco mais que 140 caracteres.
Sobre o tema do post, como público não me lembro de ter visto outros deficientes na carreira, além de você e os mencionados. Teve uma moça nos anos oitenta chamada Kátia (deficiente visual).
Porém, deficientes mentais temos aos quilos na televisão.
Some-se a este agora os deficientes de caráter.
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