Eu não vou dar um único passo atrás. (com o auxílio luxuoso de Edi Silva)

 


    Tenho orgulho de ter tido a coragem de assumir a minha transgeneridade e ingressar na comunidade LGBTQI+ em um momento especialmente complicado da história deste país. Não só porque a situação complexa em que eu me encontrava na vida exigia uma tomada de decisão radical que abarcava questões de psicologia, saúde e sobrevivência, mas também porque o Brasil, o país onde eu nasci e cresci, a minha pátria mãe, em um momento tão delicado, precisava de seus filhos mais despertos. Uma horda de zumbis pseudo nacionalistas, pseudo cristãos e pseudo cidadãos de bem saíam de seus esconderijos vestidos de amarelo para tomar as ruas e instituições. Essa doença social chamada fascismo precisava ser combatida e cada pessoa consciente de sua responsabilidade social sentiu e ouviu o chamado. Muitos, entretanto, se acovardaram e preferiram o conforto do silêncio, pois é mais fácil passarem despercebidos quando ninguém sabe o que eles pensam.
    Não tenho orgulho entretanta, de ser deficiente, isso não faz sentido algum. Tenho orgulho de ter sabido lidar com a minha deficiência. E acredite, a pólio é uma doença cruel que leva embora muito de uma pessoa. Apesar disso, ao longo da vida fui muito bem tratada em hospitais de referência. Mas fora desses ambientes, com profissionais treinados para acolher de forma humana os pacientes, a realidade é cruel e a resiliência é a arma de quem precisa sobreviver numa sociedade pouco educada para respeitar seus indivíduos chamados "diferentes".
    Pois bem, assim sou eu, mulher transgênero e pessoa com deficiência e, na atual conjuntura política, me encaixo no perfil de pessoas em risco de morte como consequência da perseguição eugenista do atual governo nazista. Parece exagero falar assim? Então preste atenção nas falas do atual ministro da educação Milton Ribeiro. Segundo ele pessoas com deficiência devem ser tiradas do convívio social, porque atrapalham... Atrapalham o quê? A economia? Por que não são máquinas perfeitas de produção industrial, os escravos do capitalismo? Atrapalham as outras crianças na sala de aula? De uma escola que se depender desse governo em breve deixará de ser pública dificultando ainda mais o acesso dessas crianças especiais a um acompanhamento adequado? Porque precisam de atenção especial do Estado gerando despesas? Mas, afinal, o que é o Estado e qual a sua função? A quem serve? 
   Também, segundo ele, as pessoas trans, gays, lésbicas e afins, são o resultado de famílias fracassadas e desajustadas, filhos de pais disfuncionais. Argumento esse baseado no princípio da tradição cristã, que evoca o mito do núcleo familiar tradicional como o principal responsável pela educação ética e formação de caráter do indivíduo, como se expressão de gênero e sexualidade tivessem qualquer coisa a ver com isso. 
    Certamente não é o caráter que importa a eles, mas a escolha frequente que as pessoas da comunidade LGBTQI+ fazem em não se reproduzirem, gerando novos escravos para o capitalismo, que tem como um de seus pilares a máxima bíblica: "crescei e multiplicai". O que sabemos eventualmente pelas notícias que escapam é que esses mesmos fundamentalistas religiosos, sejam católicos, evangélicos ou de qualquer crença, se aventuram na calada da noite atrás de prostitutas e travestis, quando suas esposas não correspondem mais aos seus caprichos sexuais pseudo machistas, já que de macho mesmo muitos deles não têm nada.
    Essa não é a primeira célula eugenista dentro desse governo nazista. Eu mesma já identifiquei uma dentro do gabinete da ministra dos direitos humanos. Outra delas está na Fundação Palmares, com o seu presidente negro-branco-racista. A "limpeza" étnica não é novidade na história desse país, ela vem sendo perpetrada por mais de século usando inclusive políticas públicas como a importação de mão de obra barata da Europa com o objetivo de miscigenar e branquear a população brasileira. Eu sou a prova disso! Sou branca e loira, de ascendência alemã, meus antepassados vieram da Alemanha para a construção de obras no interior de Minas Gerais em uma história nebulosa que eles se recusam a contar. 
    Escravos brancos, em uma sociedade geneticamente "melhorada" pelo darwinismo social e a meritocracia, comporão a nova ordem onde pessoas como eu, máquina defeituosa e com identidade trocada, não terão lugar, já que a produção mais relevante que nos cabe é a intelectual e, nesse mundo novo, essa função será delegada apenas a um grupo seleto de notáveis, que compõem uma parte muito pequena de uma elite, que habita o topo da pirâmide. Igualmente as pessoas negras e miscigenadas, conhecidas por sua força, resistência e resiliência mas nem um pouco menos capacitadas intelectualmente como acreditavam os escravistas, serão tão necessárias como foram no passado, já que o uso dessa energia humana está se tornando obsoleto graças ao advento de novas tecnologias substitutas do trabalho braçal. 
    A construção da sociedade perfeita das elites passa necessariamente pela desconstrução de uma sociedade justa e inclusiva. Aquilo que não se encaixa na engrenagem social deve ser eliminado. 
    Mas, o que vamos fazer então? Ficar parados esperando de boca aberta que essa força sinistra nos esmague? Não! Vamos pra cima com tudo que temos. Porém é fundamental manter a disciplina, constância nas ações e também a observância, pois o adversário mais letal pode não estar nos gabinetes, mas a um passo de nós, aquele que devemos temer, o guarda da esquina. Precisamos identificar e desarticular esses agentes, esses zumbis da "higienização". Isso é possível? Não sei dizer ao certo. O estrago foi muito grande e eles simplesmente não querem acordar, pois gostam de viver em uma realidade paralela e confortável acreditando que são escolhidos para uma missão especial e sagrada. 
    Mas temos uma vantagem: somos inteligentes e articulados e podemos desenvolver estratégias para lidar com essa nova/velha ameaça, afinal, não foi à toa que chegamos até aqui. Novos tempos, novas tecnologias requerem novas formas de pensar. Existem muitas frentes de batalhas tanto nos campos físico, quanto virtual e em nenhuma delas iremos recuar. 
    Eu não vou dar um único passo atrás.

Comentários

  1. Perfeita a sua interpretação desse terrível momento pelo qual estamos passando. Jamais recuaremos! À luta sempre amiga!

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  2. Débora, não há motivo para citar meu nome: a ideia é sua e você escreveu. 100% de mérito seu.

    Eu ficaria muito feliz se escrevesse assim.

    Coisa boa é ter amigos e amigas. (Rê, rê, rê) A gente fica até famoso.

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    1. Não seja modesto, Edi. Você sabe que eu não publico certas ideias sem um aval seu. Você é o responsável por hoje eu ser uma pessoa politizada. Eu tive a sorte de ser encaminhada pelo melhor de todos. Obrigada.

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    2. Vou aceitar por que eu saio bem na fita. :)

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  3. Sempre corajosa e perfeita em suas colocações . Vou compartilhar com muito gosto este seu texto.

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    1. Muito obrigada, meu amigo. Tenho uma grande admiração por você. Me sinto honrada.

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